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O drama do casal português detido em Timor que fugiu para a Austrália

14 Novembro, 2017

Tiago e Fong Fong Guerra estiveram presos em celas escuras e frias, ficaram doentes, não se despediram dos filhos e viram a casa invadida pela polícia. Hoje, fartos de esperar, fugiram de barco de Díli para Darwin

18 de outubro de 2014. Esta foi a data em que a vida de Tiago Guerra, 46 anos, e da mulher Chang Fong Fong, 39, (a quem conheceu pela internet) mudou para sempre. Acusados de crime de peculato, o casal português a residir em Díli, Timor-Leste, há vários anos, seria detido nessa data no aeroporto, quando se preparava para apanhar um voo para Macau, juntamente com os filhos, Tomás e Matias, hoje com 12 e 11 anos. Tiago tinha recebido uma proposta irrecusável para ser um dos responsáveis de uma empresa tecnológica, em Macau. A vida ia melhorar, terá pensado. Nada mais falso.

Com os documentos apreendidos pelas autoridades que os aguardavam no aeroporto, o casal ficou obrigado a permanecer em Timor, enquanto as crianças regressaram a Portugal na companhia dos avós paternos. Não se conseguiram despedir dos meninos; primeiro ficou o pai detido em preventiva e, depois, foi presa a mãe.

Casa invadida. Justiça queria os filhos de Tiago

Também o regresso das crianças a Lisboa, com os avós, não foi fácil. Inês Lau, irmã de Tiago publica no facebook como conseguiram sair de Díli com os sobrinho. A história é contada pelo capitão de Mar e Terra Carlos Guerra, pai de Tiago.

«Nesse mesmo dia, à tarde, assistimos à aparatosa invasão da casa em que a mãe, as crianças e nós, avós paternos, nos encontrávamos [foram para Díli ajudar a família]. Cerca de 15 homens, vários deles armados, com um mandado de detenção da Fong Fong,  vieram prendê-la e apreender o passaporte. […] Queriam entrar pela casa e queriam insistentemente as crianças. Aí, eu impedi-os! Os advogados aconselharam-nos a sairmos o quanto antes de Timor, onde nós pensávamos ficar alguns dias para podermos apoiar moralmente o nosso querido filho. Eu tinha passagens de regresso marcadas para a época natalícia. Saímos de Timor com as crianças, com ambos os pais encarcerados. Os pais não sabiam que as crianças estavam naquela altura aterrorizadas a fugir de Timor com os avós. O mais pequeno pedia para se despedir da mãe. O drama e o medo fizeram que ninguém deitasse uma lágrima[…]. As crianças estavam aterrorizadas. Conseguimos chegar a Lisboa onde nos esperava a família, com casacos e roupa de frio. Era Inverno. As crianças sofreram um grande trauma! A escola que frequentam tem sido muito cuidadosa no tratamento delas. Apesar disso os colegas souberam, através das media, que o pai está preso e um ou outro menino tem-nos confrontado com perguntas. A direcção da escola sempre que toma conhecimento de episódios deste tipo, apressa-se na tentativa de resolver estes casos».

Pais à distância

Hoje Tiago estava obrigado à medida de coação de apresentação semanal num posto da Polícia de Díli. Mas quem espera desespera e, farto de esperar por um recurso que não chegava, Tiago e Fong Fong fugiram de barco para Darwin, Austrália, depois de terem conseguido renovar os cartões de cidadão portugueses. A intenção é forçar assim uma solução diplomática para este drama.

Retidos em Díli, sem trabalho, a viverem da ajuda de amigos e familiares, era a separação dos filhos o que mais lhes custava.

Longe dos filhos desde o dia da detenção no aeroporto, o casal apenas os terá voltado a ver um ano depois, no Natal. Chan Fong Fong, revelou na altura que ia conversando com os filhos através da internet e que era muito difícil estar «tão longe deles».

Segundo Inês Lau terá sido por estarem preocupados com a educação dos meninos que o casal resolveu deixar Timor e aceitar a oferta de emprego em Macau.

«Estavam preocupados com a escolaridade das crianças, em Timor Leste. Têm casa e residência legal em Macau, de onde é a família da mulher do Tiago[…]. As crianças deixaram de frequentar a escola australiana de Díli (agosto 2014), tendo pedido os documentos de transferência para a escola Escola Portuguesa de Macau», escreveu a familiar no facebook, onde adiantou que «o Tiago fala com os filhos em português e a mãe fala com eles em cantonês».

Os primeiros dias de prisão

Ativista pela libertação do irmão, Inês aproveitou para esclarecer algumas situações em relação ao caso. Sobretudo, no que respeita aos primeiros dias de detenção da família e da falta de condições de que foram alvos.

«Após a detenção no aeroporto, o Tiago foi levado para o Posto de Caicoli, onde aguardou durante 3 dias, sem água, sem casa de banho, sem sapatos e a dormir no chão até ser interrogado. Com ele foram levados a mulher e as duas crianças, de 9 e 8 anos de idade. Estiveram todos detidos durante 8 horas numa salinha[…]. Depois do interrogatório [Tiago] foi levado para a prisão de Bécora e colocado em cela solitária durante 3 dias. Transitou depois para uma cela onde se encontravam reclusos condenados a penas entre 12 e 30 anos, tendo posteriormente passado para uma cela de presos preventivos. Até ao final de 2014 o Tiago partilhou a cela com mais 7 pessoas. É permitido fumar nas celas e o Tiago começou a ter problemas respiratórios, pelo que conseguiu que, em 2015, o mudassem para uma cela com apenas mais um recluso não fumador. Nesta cela com chão de cimento, dorme no chão a um metro do buraco que funciona como WC, sem papel higiénico sequer. Há uma semana foi autorizado a que a família lhe levasse um tapete de yoga, onde agora passou a dormir», contou na altura.

As más condições em que esteve são agora aproveitadas pela defesa que alega «razões humanitárias», relacionadas com a deterioração da saúde do casal nos últimos três anos, por inexistência, em Díli, dos tratamentos médicos necessários. É que ambos estão doentes.

Fong Fong Guerra sofre de doença pulmonar crónica obstrutiva. Já Tiago precisa de uma cirurgia ao maxilar superior e tem os  meniscos fraturados. Mas, pior do que isso, é o estado mental de ambos.

«O Tiago emagreceu 10 Kgs como resultado de doença durante o período de Natal e também por não haver médicos na prisão durante toda a época festiva, e por não terem permitido que um médico externo o observasse e medicasse», contou Inês Lau na mesma publicação.

Uma petição a circular

Recorde-se que o casal foi condenado a oito anos de prisão efetiva e uma indemnização de 859 mil dólares por peculato depois de o tribunal os ter declarado coautores do crime de peculato e absolveu-os pelos crimes de branqueamento de capitais e falsificação documental de que eram igualmente acusados.

O casal recorreu da sentença e a família e amigos redigiram uma petição que já conta com cerca de 3.500 assinaturas e que chegou o mês passado ao parlamento português, a pedir ao Governo a extradição para Portugal do casal.

«O Governo de Portugal intime o Governo de Timor-Leste para que este processo seja transferido para Portugal, uma vez que o sistema judicial timorense tem provado ser incapaz de lidar com um caso como este», reclama o decumento.

Texto: Sónia Salgueiro Silva; Fotos: DR

 
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