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Entrevista a Inês Gonçalves: A atriz que virou jornalista na TVI

1 Janeiro, 2021

Inês Gonçalves foi atriz durante nove anos, mas há ano e meio tornou-se jornalista da TVI e já assinou reportagens como "Imunidade" contra a covid-19.

Inês Gonçalves deu cartas em novelas como Meu Amor, Única Mulher e Valor da Vida, na TVI e em Água de Mar, RTP1, mas ao fim de nove anos decidiu mudar de vida, estudar e tornar-se jornalista. Inês Tavares Gonçalves, é um dos rostos da informação da TVI, onde chegou há ano e meio, e assume que esta mudança foi difícil.

Foi atriz durante nove anos e agora é jornalista na redação da TVI. Como se dá esta mudança?

Nunca partilhei isto publicamnete, mas quando tive de escolher o que queria ser quando fosse grande, passou-me muitas vezes pela cabeça ser jornalista. Acabei por seguir gestão. Mas como fazia publicidade e estava ligada ao mundo da televisão comecei a sentir um fascínio pela representação e formei-me como atriz. A televisão surgiu naturalmente porque é o meio onde conseguimos ser melhor remunerados e há projetos de maior duranção.

Por que decidiu mudar?

Não foi por não estar a trabalhar. Aliás, estive a trabalhar em vários projetos consecutivos em televisão, mas sentia que havia uma dimensão que me faltava. Eu gosto de escrever, de contar histórias e não conseguia fazer isso. Na representação não há tempo, traballhamos seis dias por semana durante muitas horas em que não dá para fazer mais nada. Como fiquei um período de seis meses sem trabalho, entre um projeto e outro, decidi começar a estudar jornalismo que era uma coisa que gostava. Fiz um curso de um ano, pós-laboral na ETIC, porque para mim era impensável fazer outra vez três anos de licenciatura. Enquanto estava a fazer o curso, surgiu a hipótese de fazer o Valor da Vida e foi conciliável. Consegui fazer durante o dia uma coisa que gostava e à noite estava a aprender e percebi que estava a gostar muito disso.

Acreditava que em jornalismo seria uma área mais fácil?

Sabia que ia ser muito dificil, é uma área com alguma precaridade, que não paga bem no início da carreira e ao fim de uns anos também não (risos), mas fora isso também é uma área difícil de entrar num contexto destes. Mas isso não me impediu de tentar. Por ter um histórico no canal, foi mais fácil pedir à direção de informação a oportunidade de estagiar. E foi isso que aconteceu, eu estagiei três meses primeiro para completar o meu curso, e depois surgiu a hipótese de ficar. Houve uma evolução no meu estágio e acabei por não fazer mais três meses, fiquei logo a trabalhar. Acho que isso tem a ver com a minha idade, com maturidade… Fiquei na redação a fazer peças de sociedade e mais tarde fui para a editoria de internacional.

Foi fácil deixar para trás nove anos da sua vida e começar do zero?

Não foi uma decisão nada fácil, durante o ano em que estive a estudar fui-me mentalizando que estava a querer deixar uma vida e a começar outra. Sabendo perfeitamente da dificuldade nesta profissão, o que eu não sabia era como é que ia ser entrar uma pessoa das novelas numa redação de informação.

E como foi?

Foi um bocadinho difícil, mas eu gosto de desafios. Compreendo que haja alguma dúvida quando de repente estás no teu local de trabalho e que demoraste a conquistar e chega um estranho. É natural que haja algum preconceito, não em relação a mim, mas ao meio de onde vim. Que é um meio, que se calhar não previligia alguns valores e caracteristicas que as pessoas aqui consideram. O que senti foi aquele “o que é que esta anda aqui a fazer”. Espero que ao fim de um ano e meio isso esteja completamente ultrapassado (risos). Nunca ninuém me fez sentir mal, foi ciurioso que houve alguns colegas que me perguntaram diretamente o que estava aqui a fazer e se estava a construir alguma personagem. Eu expliquei que não e que foi uma mudança na minha vida. Ao início foi estranho, mas estou completamente integrada e as pessoas já perceberam que não me quero ir embora.

Sentiu que teve de provar mais?

Sim, claro que sim. Qualquer falha que pudesse ter durante o processo, sabia que iria logo ajudar a justificar o “era natural que isso fosse acontecer, ela não sabia, ela não está preparada”. Por exemplo, a imagem era muito importante para o meio de onde eu vinha. Como me vestia, o cabelo, a maquilhagem, e aqui não tem peso nenhum, também faço esse equilibrio entre aquilo que me era exigido e agora aquilo que não é de todo importante. Há o compormisso de vir como me sinto bem, de dizer as coisas como quero dizer e não estar a fabricar uma pessoa que não sou.

Na representação trabalhava seis dias por semana e muitas horas por dia. Acredito que no jornalismo isso não melhorou….

(gargalhada) Não melhorou, não. Nas novelas são seis dias por semana e muitas vezes com 10 ou 12 horas por dia. Aqui não há essa exigência, agora se acontecer alguma coisa no dia e é preciso estender horário, é obvio que se estende. Estamos sempre a procurar fazer melhor, a dar o melhor à casa…

Inês Gonçalves: “Não gostou de fazer diretos”

Já passou por diretos, reportagem, entrevistas… Qual gosta mais?

Tudo menos diretos. Quem acha que se está muito apta a fazer diretos só porque está habituada a trabalhar com uma câmara é mentira. É de uma destreza, de uma dificuldade, é preciso ter muitas características específicas e um talento enorme. Gosto de entrevista e reportagem. Não gosto de fazer tudo sozinha, sinto que no jornalismo há um bocadinho de individualismo, acho que é bom pedir aos nossos colegas para nos darem uma crítica, uma ajuda.

A TVI está em mudança em todas as suas áreas. Como olha para este “futuro” como Cristina Ferreira lhe chama?

É bom mudar. Em televisão os resultados medem-se através das audiências e quando não estamos à frente, é necessário pensar para que os números voltem à liderança. O futuro é uma boa estratégia de marketing no sentido em que é para aí que queremos olhar. Mas é importante olhar para o presente. Na informação estamos todos muito motivados. As pessoas que estão agora na direção trazem uma energia que era necessária e é a isso que nos agarramos.

Gostava de um dia ser a pivô do Jornal das 8 ou o Jornal da Uma?

Nunca experimentei ser pivô. Eu gosto muito trabalhar com câmara, sinto-me confortável. Se serei uma boa pivô? Não faço ideia. Gostava daqui a dez anos estar a apresenatar o Jornal das 8, como é lógico, são muito poucos os jornalistas que dizem o contrário. Mas apresentar o jornal das 8 não é só dizer notícias, é importante conseguir aguentar bem uma entrevista, um direto, estar apta para responder a uma última hora e ser mesmo completa. Não quero ser uma cara bonita como pivô, quero ser primeiro uma jornalista inteira. É uma coisa que gostava, mas que estou longe de a poder fazer ainda.

As saudades da ficção

A representação está completamente arrumada numa gaveta?

Nunca temos nada fechado em gavetas. A ficção e informação são incompatíveis. Mas eu não concordo com isso e posso muito bem tirar um ano para fazer um projeto de ficção e depois continuar a fazer jornalismo. Mas percebo que seja uma utopia. Se tiver de escolher, é onde estou que me sinto melhor e sei que se agora fosse fazer uma novela, era quase como entregar dois anos da minha vida ao “lixo”, porque sei que era difícil voltar. Não faço tensões de regressar à representação, mas tenho muitas saudades.

Os seus colegas atores o que lhe disseram?

Não fiquei com muitos amigos da representação. Sou uma pessoa mais tímida e reservada e por isso não fiz muitas amizades. Mas tenho colegas com quem falo bastante, não entro em grandes detalhes sobre a vida que levo agora mas o que eles me dizem é que fui muito corajosa e dão-me os parabéns por ter conseguido.

E a sua família?

Foi mais difícil ter apoio para me tornar atriz do que para jornalista. Eles estao contentes por mim e esperam que estas mudanças no canal não entrem muito com o meu espaço (risos).

Inês assinou a reportagem “Imunidade”

Inês Gonçalves assinou uma reportagem, com o Filipe Caetano, com o nome Imunidade, onde se falava da vacina para a covid-19. Reportagem dividida em duas partes, emitida numa quinta e na sexta seguinte. “Sem o Filipe eu não teria tido a oportunidade de fazer esta reportagem. Ao fim de um ano e meio é um trabalho que não me iria nunca cair nas mãos se não tivesse o input de alguém mais experiente e que olhou para mim e me reconheceu qualidades e carateristicas que se calhar nem toda a gente reconheceu logo”, explica a jornalista, acrescentando: “Ele nunca olhou para o meu passado, olhou simplesmente para o que fazia aqui e disse que era comigo que queria trabalhar. Conseguimos conhecer as pessoas que estão nos hospitais, os voluntários das vacinas, ir aos centros de vacinação, conhecer doentes recuperados. É um documento que vai ficar de futuro sobre estes tempos. Sei que é um trabalho fruto de um trabalho em equipa, eu sozinha não teria conseguido”, termina.

Tem alguma referência no jornalismo?

Tenho. No feminino, gosto muito do trabalho da Clara de Sousa, como pivô. Reconheço o mérito, o talento, a capacidade, tudo. É um exemplo. No masculino, gosto muito do que o Pedro Mourinho está a fazer, está a trazer alguma mudança, Olho para ele e gostava de um dia estar assim, com o à vontade, a firmeza e a confiança.

Texto: Ana Lúcia Sousa; Fotos: Nuno Moreira
Leia ainda: Pedro Pinto: As últimas palavras do jornalista antes de abandonar a TVI

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