Aos 31 anos, Joana Metrass é uma estrela de Hollywood. A atriz portuguesa tem ascendência cabo-verdiana, chinesa, holandesa, argentina, francesa e italiana. Aos 16 foi viver «sozinha», durante um ano, para os Estados Unidos. A sua perceção do mundo mudou e, desde então, não se vê a «assentar arraiais» em parte alguma. «Só de pensar nisso sufoco», garante Joana Metrass em entrevista à revista Maria.
O maior desafio passará, necessariamente, por encontrar um equilíbrio entre a carreira internacional que já começou a construir e um futuro com filhos, algo que faz parte dos seus planos de vida.
Numa conversa que passou pelo seu desempenho em Guerra Sem Quartel, filme no qual contracena com Jean-Claude Van Damme e que pode ser visto atualmente nas salas de cinema nacionais, e pela vivência além-fronteiras, a atriz, filha de uma das fundadoras do movimento feminista em Portugal, conta ainda como tem sido viver em Los Angeles e trabalhar na Meca do Cinema na época do movimento Me Too, de apoio às vítimas de abusos sexuais.
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Vê-se a regressar a Portugal para ficar?
Vejo-me a trabalhar cá, a passar temporadas cá, mas não me vejo a viver para sempre em Portugal, como não me vejo a viver para sempre em lado nenhum. Não há um sítio… nem consigo pensar nisso (risos)!
Mas quando diz que gostava de ter filhos e de assentar ligeiramente, seria onde?
Seria metade-metade! Uma das coisas que eu gosto nos trabalhos internacionais é que, por exemplo, eu faço os castings em Los Angeles mas nunca filmo lá. Este filme foi filmado na Bulgária. Os trabalhos internacionais têm isso que me agrada: vamos viver para os sítios. Quando foi para o Era uma Vez [série emitida no AXN], vivi seis meses no Canadá.
Quando fala em trabalhos internacionais, fala especificamente de cinema norte-americano?
Não! Tenho imensa vontade de trabalhar na América Latina, no Brasil. Até adorava fazer um filme em Bollywood [meca do cinema indiano]!
Quais são os seus projetos futuros?
Para já, tenho uma produção entre Inglaterra, Brasil e talvez Portugal lá mais para o final do ano. É outro filme em que também serei protagonista, mas ainda não posso dizer nada.
E televisão?
Para já, não! Mas quem sabe. Depende do que surgir.
Por cá, a sua passagem pelo pequeno ecrã está muito associada aos Morangos com Açúcar, mas a Joana teve apenas uma curta participação nesta série, de apenas um mês. É reflexo da importância que esta produção teve?
Pensam que eu comecei nos Morangos, quando foi das últimas coisas que fiz cá. Já tinha trabalhado em televisão e em cinema, e bastante em teatro, mas a televisão chega a mais pessoas. Foi um projeto em que me diverti imenso.
Vem aí uma nova temporada. É importante para o lançamento de novos atores?
Sabe que eu preferi estudar primeiro e começar a trabalhar depois. Mas quando entrei no mercado, senti que, em certos aspetos, estava muito atrás de colegas meus que tinham passado aqueles três anos a trabalhar no set. Por isso, acho que sim, que isso é muito importante. Os Morangos eram incríveis nisso. Se eu receber três castings para fazer amanhã, cada um com cinco páginas, consigo decorar e isso vem do treino nos Morangos.
Tem recebido convites de Portugal?
Tenho, bastantes. Tenho muita sorte e sou muito grata por isso. Agora, é uma questão de timings e dos projetos que surgem.
«Os castings são o trabalho de um ator»
Nos Estados Unidos, a sua vida é essencialmente ir a castings em busca de oportunidades de trabalho?
Sim. Na prática, um casting é uma oportunidade em miniatura de eu fazer aquilo que mais gosto. Todo o processo anterior, toda a criação da personagem, faz parte mesmo que seja para um casting. E estes são o trabalho de um ator, não é só estar no set a filmar que é trabalho. Durante esse tempo, estive a representar e a fazer o que mais gosto.
Ainda traduz os textos para português antes de os interpretar?
Sempre! Não descubro os mesmos sítios de emoções se não falar na minha língua. A nível emocional, o português vai a sítios que o inglês não vai.
Quando pensa, já é em inglês?
Já penso muito em inglês. Depende muito de onde estou e sobre o que estou a pensar. Mas sim… e também já sonho em inglês.
«O medo faz parte do nosso dia a dia»
A sua mãe, Célia Metrass, é uma das fundadoras do movimento feminista em Portugal e este tema é, naturalmente, bastante importante para si. Como é que viveu o movimento Me Too nos EUA, onde ele nasceu?
Sabe que, como mulher nesta indústria, sinto muita diferença. E não é por, infelizmente, as mentalidades tenham mudado, pelo menos para já. Muitas das pessoas que faziam coisas que não deviam ainda acham que não faz mal, mas passaram a ter medo de o fazer e isso faz toda a diferença.
Ficaram a saber que há consequências?
Exato. Sabem que não podem simplesmente fazer o que lhes apetece. Eu sinto-me mais segura. Já falei com colegas atrizes e elas também.
A questão do assédio sexual era realmente visível?
Há coisas que as pessoas não têm muita noção e que é o que leva a ser possível linhas ténues. Por exemplo, ouço muitas vezes questionar «porque é que aquela mulher subiu ao quatro de hotel se não era para isso que ia?». Em Portugal, não há reuniões em quartos de hotéis, mas lá é comum. Há muitas pessoas que vivem em hotéis, onde têm mega suites com escritórios. Portanto, é normal acontecerem reuniões nessas suites. Eu conheço produtores que fazem isso e não têm segundas intenções. Quando se diz que há mulheres que subiram ao quarto do hotel, é mentira. Elas subiram ao escritório.
É essa realidade que permite que aconteçam casos de assédio?
Porque uma pessoa chega lá acima e não sabe o que lhe pode acontecer. Profissionalmente, é complicado. O que vamos dizer? Que não subimos? É complicado.
A Joana já passou por alguma situação que a tivesse melindrado?
(Silêncio) O que eu sinto é a mesma coisa que qualquer outra mulher que não seja atriz, que é explicar que a realidade de ser mulher é diferente. Que nunca estamos num parque de estacionamento completamente descansadas, que nunca andamos à noite numa rua sem ter a chaves do carro entre os dedos. Como atriz, tive sempre os meus cuidados para não dar por mim em certas situações. É uma coisa constante no meu dia a dia.
Precave-se de que forma?
Por exemplo, se tenho uma reunião, tenho sempre a certeza que tenho um agente comigo, que tenho um assistente. Não me coloco numa posição em que isso possa acontecer. Mas isto é triste. É triste que a realidade da mulher seja a pensar em proteção. O medo faz parte do nosso dia a dia.
Texto: Ana Filipe Silveira; Fotos: Paula Alveno
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