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Testemunho| Madalena Silva foi vítima de violência onze anos: «Fugi do meu marido para não morrer»

28 Fevereiro, 2019

Madalena Silva não quer esconder-se mais. Ela é uma das milhares de mulheres que já foi vitima de violência doméstica. Durante 11 anos foram muitas as vezes que escapou da morte e o pesadelo só acabou quando foi agredida pelo marido em frente à polícia.

Em 1998 começa a história de amor de Madalena com o ex-marido, dez anos depois de se conhecerem. «Meti na minha cabeça que ele era o amor da minha vida. Com 20 anos vim para Lisboa e dez anos mais tarde ele, que estava em França, veio atrás de mim. Fomos logo viver juntos. E um ano depois de estarmos a viver juntos casámos», começa por contar à revista Maria.

«Só que eu no fundo já não queria casar com ele. Haviam atitudes nele que me deixavam de pé atrás. A minha mãe é que me disse que, depois de um ano a vivermos juntos, parecia mal não casar. Por isso casei…», acrescenta.

Agressões na noite de núpcias

Madalena não seguiu o seu instinto e acabou por casar com o homem que viria a ser não o grande amor da sua vida, mas sim o seu maior pesadelo. No dia do casamento, aliás, o impensável aconteceu.

«Desde o primeiro dia em que me casei, em 1999, fui logo vítima de violência doméstica, aliás, exatamente no primeiro dia em que me casei… No casamento haviam uns amigos do meu sobrinho e um deles desejou-me felicidades e disse que se um dia se precisasse dele para lhe dizer», conta, para depois acrescentar:

«O meu marido ouviu isso e ficou a pensar naquilo. Quando me fui deitar ele estava a massacrar-me por causa do comentário do rapaz. Queria saber de onde o conhecia e porque é que ele me tinha dito aquilo. Massacrou-me, massacrou-me… Eu respondi- lhe e nesse momento ele atirou comigo da cama abaixo. Em plena noite de núpcias ele fez isto. Em vez de amor eu tive agressões. Desde esse dia até ao último, em abril de 2009, foi um inferno», conta.

Marcada com o chuveiro

E se Madalena já estranhava o comportamento do marido no primeiro ano de relação, nesse dia tudo se adensou. E a partir daí foram agressões consecutivas. Momentos de impotência total e de dor que Madalena recorda em entrevista à revista Maria.

«Lembro-me do que se seguiu… Eu estava em pé, à frente dos cortinados, numa casa que nós tínhamos os dois, e do nada, só porque o contrariei e não estava a querer ter a mesma opinião do que ele, do nada deu-me dois estalos, mas dois estalos com tanta força… Nesse dia nem chorei. Fiquei congelada»

. Psicologicamente eu nem queria acreditar naquilo que me tinha acontecido. Desde esse dia que ora me batia, ora me massacrava, ora me batia, ora me massacrava. Dói-me sobretudo, porque nunca na vida, para além dos meus pais que me educavam, alguém me tinha batido. Eu estava chocada com aquilo”, conta.

«Numa outra vez fiquei marcada com o chuveiro. Nesse dia estava a tentar defender-me dele, porque tinha recebido essas indicações depois de já ter feito queixas dele. Os polícias perguntavam sempre se algum dia o tinha tentado enfrentar e que se não o tivesse feito que o devia de fazer. Nesse dia fiz e não correu nada bem. Armei-me em supermulher, com uma vassoura, mas assim que ele me apanhou, pegou na mangueira do chuveiro, abriu a água gelada e com toda a força desferiu-me. Deixou-me toda marcada. Magoou-me imenso”, recorda muito emocionada.

Filho evitou que marido a matasse

Esta frágil mulher, na altura com cerca de 30 anos desejou muitas vezes morrer, tantas quantas as que o ex-marido a tentou matar.

«Ele dava-me muitos murros nos ouvidos. Eu já tinha problemas por ter tido inicio de meningite em pequenina, mas o meu problema dos ouvidos piorou por ele me dar murros constantemente», conta.

E pior do que ser agredida era ver o filho, que presenciava as cenas, ser também ele vítima de toda aquela violência. «Fiquei louca quando uma vez ele atirou o meu filho para cima do sofá, porque o menino me estava a defender. Aí a violência já não era exercida só sobre mim. Era também no menino. Ele apercebia-se e tentava defender-me. Uma vez evitou que fosse morta com uma faca, porque estava no andarilho e meteu-se à frente», afirma quase em lágrimas.

«Depois dele o atirar contra o sofá peguei no meu filho, fugi para a casa de banho e tranquei-me lá. Estive a dar-lhe banho, a vesti-lo. Pensei que tinha fechado bem a porta, mas enganei-me, quando ele deu um empurrão na porta. Como o menino pensava que o pai me vinha bater outra vez esticou o pé e fechou a porta. A porta bateu-lhe na cara sem querer. Ele pensou que fui eu a tentar agredi-lo. Nesse momento entrou na casa de banho e bateu-me tanto, mas tanto… Puxava-me os cabelos, dava-me murros, arrastava- me. O menino só chorava…”, recorda.

Pontapés na barriga durante a gravidez

Apesar da gravidez de Madalena não ter sido planeada, quando descobriu que esperava um filho teve a esperança de que o marido mudasse de atitude.

«Mesmo com a gravidez continuei a ser maltratada. A gravidez não foi planeada, pensei em tirar o bebé, mas depois… Acabei por seguir com a gravidez», conta.

«Passei muito mal. Passei os nove meses praticamente no Hospital São Francisco Xavier. Eu vomitava  tudo e depois haviam as agressões. Era no hospital que eu me sentia bem. Era lá que eu tinha o carinho das pessoas. Ali eu tinha a paz e o sossego que não tinha em casa. Cada vez que eles me mandavam para casa chorava. Não tinha estabilidade e ele continuava a bater-me. Ele magoava-me na barriga. Até pontapés eu levava», conta

«O menino nasceu e ele ainda ficou pior. Porque depois eram os trabalhos a dobrar. Ele não ia comigo às consultas, não ia comigo ao hospital, não cuidava do menino», explica.

A verdade é que Madalena não tinha qualquer escapatória. «Fugi tantas vezes. Uma vez peguei no menino e estive fugida na casa de um padre, noutra vendi tudo o que tinha para arranjar uma casa para mim… Pedi ajuda, gritei a todo o Mundo mas ninguém me ajudava. A polícia não podia fazer nada porque eu acabava por retirar as queixas, porque ele jurava que ia mudar. As coisas só mudaram quando eu já não pude retirar a última queixa e quando me agrediu a mim e ao menino em frente à polícia. Tracei esse plano e consegui», relata.

Polícia assistiu

«Em 2009 saí às nove e tal da noite para ir buscar o computador do meu filho. Percebi que ele me estava a seguir. Nesse dia exigi à Polícia que me levasse a casa. Eles ouviram todos os nomes que ele me chamou, bateu-me… Eu fui a correr, abri a porta e ele viu que a Polícia estava ali. Voltou a bater-me e mandou o menino contra a parede. Foram precisos três homens para o deter. No dia seguinte, estive perante o juiz e foi dada uma ordem de afastamento», conta.

Madalena recorda-se bem de tudo. «Esteve calmo durante uns tempos, depois voltou tudo ao mesmo. Foi condenado por duas vezes e das duas vezes foi condenado com pena suspensa. Uma de três anos e meio e outra de dois anos e meio. Só aí me consegui libertar dele. E agora ele vê que já não tenho medo dele. Faz terror, ainda sobre o menino, que vai fazer 19 anos, mas está tudo mais calmo», conta Madalena. «Vi a morte muitas vezes. Achei todos os dias que era o meu último dia.Fugi do meu marido para não morrer», termina.

Texto: Catarina Martins; Fotos: Paula Alveno e foto gentilmente cedida por Madalena da autoria de Paulo Silva De Feyter

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