Nacional

Quando celebrar o Dia do Pai provoca traumas e confronta a criança com a perda

19 Março, 2019

É um dia de alegria para muitos, mas de angústia para outros. Crianças são obrigadas a fazer presentes para o dia do pai, quando já não têm o progenitor. Psicóloga explica os traumas que acompanham a criança para toda a vida.

O Dia do Pai é celebrado, a 19 de março, por milhões de pessoas. Mas se para uns é um motivo de alegria para quem não tem pai, é «um dia violento». Aliás, pode tornar-se num dia triste, provocar isolamento e trauma, quando se é criança. Quem o diz é a psicóloga Elisabete Mechas.

No Dia do Pai, principalmente na escola, as crianças que não têm pai, seja por morte, por terem sido abandonadas…. são confrontadas com essa realidade.  Situação que não é fácil de lidar. «Algumas crianças que não têm pai são obrigadas a fazer presentes e atualiza essa perda e o vazio. É um dia de alegria para uns e um dia muito difícil para outros», começa por dizer Elisabete Mechas.

A especialista explica que a sociedade celebra este dia e que já é uma tradição fazer-se a prenda para o pai. «Algumas crianças tentam pensar noutra pessoa, como um tio. Não substitui o pai, mas dão o presente que fazem na escola a alguém, fica para uma figura masculina. É bom que isso aconteça, não os faz sentirem-se tão desajustados naquele dia. Este dia a par de os colocar em contacto com a ferida, e obrigar a pensar no que não têm, têm também de lidar com a alegria de todos… Há um isolamento dessas crianças nesses dias», confirma Elisabete Mechas.

«É importante não ter medo de ouvir a criança»

Procurar alternativas pode ser uma solução para aliviar sofrimento. «As famílias estão à espera de receber o presente para o pai. Como não conseguimos tirar este sofrimento a quem não tem, podemos tomar atenção e arranjar espaço para eles fazerem outra atividade, há prendinhas que podemos dar a outras pessoas», interrompe. Para depois acrescentar:

«Ou tentar transmitir a ideia de que o pai está sempre presente e fazer a prenda como se de facto a fosse dar. Se bem que explicar isto a uma criança, não é fácil, nem ela entende. Esta ideia de ter sempre a pessoa viva dentro de nós e que as pessoas só morrem quando são esquecidas, a criança não percebe. Tem de se perceber como lidar, não ter medo de falar com a criança, não ter medo de ouvir… Fazer um desenho ao pai que já morreu, pode ser uma boa ideia… sempre que a criança conseguir por estas angustias de lado, um bocadinho, é positivo», assume.

Elisabete Mechas explica que, para estas crianças, enfrentar o Dia do Pai pode causar um trauma para sempre. «Pode acompanhar a pessoa durante uma vida. Tenho adultos no meu consultório que ainda hoje falam disso, da angústia de terem de fazer as prendinhas e de pensar a quem tinham de dar. Se hoje fala disso é porque causa trauma», revela a especialista. «Não é fácil. É importante fazer outra coisa para tornar este dia menos violento.»

«Crianças sentem-se em desvantagem»

A especialista garante que dias festivos como este, o Dia do Pai, deixa as crianças tristes, mas bem orientados não fará deles adultos revoltados. «Este dia pode torná-los mais isolados, fechados, podem ter momentos mais tristes e sentirem-se em desvantagem…. Não tem de ser uma pessoa revoltada e transtornada, estão sim em situações de maior fragilidade e os adultos têm de perceber como lidar com isso para que seja uma criança equilibrada e mais saudável», alerta.

E como é que uma criança pode superar este trauma? «Nós aqui, no consultório, falamos das perdas, naquilo que implicou no desenvolvimento. Tenho o caso de uma pessoa que perdeu o pai com dois anos, não se lembra dele, mas a ideia do pai foi-lhe transmitido muito bem pela mãe…É importante falar do pai, de como ele era, do que fazia, da importância dele, eu vou muitas vezes recuperar a figura que ficou dentro da pessoa», diz.

Elisabete Mechas não consegue dar uma resposta simples sobre celebrar ou não o Dia do Pai. «É muito simplista concordar ou discordar. O Dia do Pai, o Natal, o da Mãe as comemorações parece que têm sempre implícito a perfeição, quando se foge a este modelo, temos sempre situações difíceis. A situação é mais difícil do que isso», termina.

Texto: Ana Lúcia Sousa

Siga a Revista Maria no Instagram

partilhar | 0 | 0