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Testemunho de uso de testosterona: «Deixei de sentir o braço e tive fortes pontadas no peito»

4 Setembro, 2019

Dez anos depois de ter começado a tomar esteróides anabolizantes e três após os ter deixado, Jorge Palhares, ex-concorrente de Love On Top, surpreende com a franqueza do seu testemunho.

Jorge Palhares tinha 19 anos quando entrou em contacto, pela primeira vez, com esteróides anabolizantes, substâncias entra as quais se encontra a testosterona, a mesma que, alegadamente, atirou Ângelo Rodrigues para a Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Garcia de Orta, em Almada. O ex-concorrente de Love On Top, da TVI, só parou há três.

Para trás deixou um historial de idas ao hospital. Teve «fortes pontadas no peito», falta de ar, queda de cabelo, ataques de ansiedade, problemas renais, mudança de temperamento, falta de produção de espermatozóides… O pior, diz, foi a depressão em que entrou e que teve de ser tratada com ajuda médica. A causa: a toma de «uma dose excessiva de trembolona», substância geralmente usada em ambiente veterinário para o crescimento muscular de gado.

Palhares, hoje com 29 anos, sentiu-se motivado a falar publicamente sobre o seu caso «porque gostaria que outros jovens tenham consciência do que estão a fazer». «Não quero dizer que todos tenhamos a mesma experiência. Cada corpo é um corpo e cada um reage à sua maneira», salvaguarda.

Uma conversa franca e sem tabus que passa pela forma como o empresário se injetava, pela falta de auto-estima, pelas substâncias que entraram naquele reality show da TVI, pela ajuda imprescindível da noiva, Sandra Castilho, e pelos amigos que chegaram a pensar em suicídio…

«Via diariamente homens a injetarem-se»

Aceitou falar-nos abertamente sobre a sua experiência com anabolizantes. Porquê?

Porque hoje em dia é uma prática cada vez mais comum entre os jovens e há muita falta de conhecimento. Por isso, penso que é importante que este assunto seja falado mais abertamente e de forma pública.

Disse que já usou estas substâncias. O que o levou a isso?

Só quero começar por dizer que esta é apenas a minha experiência no assunto. Eu iniciei a minha atividade física em ginásio com 17 anos. Comecei de forma natural, com uso de suplementos alimentares e boa alimentação. De certa forma, a toma de anabolizantes era uma prática frequente no meu ginásio. Via diariamente homens a injetarem-se com os mais diversos anabolizantes em busca do corpo perfeito. A verdade é que atingiam resultados de uma forma muito mais rápida do que qualquer outro que não os usasse.

Foi aos 19 anos que começou?

Foi. Comecei através do aconselhamento de um colega de treino que já o fazia há vários anos. Por curiosidade, e com a obsessão de ter um corpo maior, com mais massa muscular, iniciei o meu primeiro ciclo com praticamente nenhum conhecimento do que estava a fazer. Consegui cerca de dez quilos em pouco mais de um mês.

Era esse o seu objetivo?

Sim. Eu sempre fui bastante magrinho e era um complexo que tinha. O meu objetivo era tornar-me cada vez maior por auto-estima.

«Injetei a mim facilmente»

Os anabolizantes, entre os quais estão a testosterona, são viciantes?

Respondo-lhe de forma simples: se estamos habituados a correr dez quilómetros a uma determinada velocidade e nos dão uma forma mágica para corrermos 30 com menor dificuldade e atingirmos os nossos objetivos mais facilmente, todos vamos querer tomar esse forma. É isso que se passa com os anabolizantes. Durante o ciclo [de toma], sentimos que estamos em constante evolução. Durante a paragem e término deste ciclo, sentimos que já não temos o mesmo rendimento, o que faz isso ser vicioso. É como qualquer droga. Todos nós sabemos os problemas do tabagismo, no entanto, não deixamos de fumar, certo? Com os anabolizantes funciona da mesma forma… Enquanto obtivermos resultados incomparáveis, vamos querer continuar. Por isso, torna-se um ciclo vicioso.

Estas substâncias podem ser tomadas via oral ou sem solução injetável. O efeito é sempre imediato?

Isso depende. Há as de ação rápida e as de ação longa. As rápidas saem mais facilmente do organismo, sendo que as longas permanecem mais tempo, podendo chegar até um ano.

E são fáceis de encontrar?

Quem tem contacto, principalmente com ginásios, consegue encontrar muito facilmente onde comprar esteróides. O problema é que não sabemos onde grande parte deles foram produzidos e se são 100% verdadeiros ou não. Eu nunca comprei esteróides através de Internet, mas há quem o faça. São substâncias tomadas por atores, atletas de todas as áreas, pessoas comuns, etc., mas todos fazem questão de manter segredo.

Há quanto tempo parou de usar?

Há mais de três anos.

O Jorge injetava-se?

Sim. Facilmente, com algumas pesquisa na Internet, aprende-se a dar injeções intramusculares. Tive amigos e parceiros de treino que me deram, tive enfermeiros que me injetaram, tal como já me injetei a mim facilmente.

É um processo doloroso?

Depende da substância, mas em geral é igual a qualquer injeção intramuscular. O problema é na toma frequente, porque cria algumas inflamações na zona onde se injeta e isso é que acaba por ser mais doloroso.

Tinha algum acompanhamento especializado? A sua médica ou médico de família sabiam?

A minha médica de família sabia que eu tomava essas substâncias. No entanto, nunca me acompanhou. Recusou-se desde sempre a acompanhar-me ou a fazer-me exames regulares. Acho isto de uma grande falta de profissionalismo. Isto faz com que quem toma, continue a fazê-lo de forma inconsciente e sem o devido conhecimento.

De 150 a 2500 euros, «facilmente»

É um hábito dispendioso?

Sim. Qualquer ciclo é dispendioso. Mas há preços e ciclos para várias carteiras. Quanto maior a qualidade dos anabolizantes, mais caros são. Depois, também depende do tempo que a pessoa faz a toma e as quantidades usadas. Regra geral, é um ciclo vicioso que acaba por ser bastante dispendioso. Podemos estar a falar de ciclos curtos a partir de 150 euros, mas que podem chegar facilmente aos 2500 euros.

E todas essas substâncias têm efeitos secundários?

Sim, e essa é, para mim, onde existe a maior falta de informação da parte de quem toma. Os mais comuns são depressão, perda de cabelo, agressividade, acne, aumento do colesterol, ginecomastia [crescimento de mamas de tamanho fora do normal em homens], problemas renais… No caso das mulheres, há falta de menstruação, aumento do clitóris e por aí adiante.

Podemos dizer que quem usa essse tipo de substâncias coloca a vida em risco?

Os organismos são todos diferentes. Uns sentem mais efeitos secundários do que outros. Uns sentem os efeitos secundários a curto prazo, enquanto outros apenas podem sentir alguns problemas mais graves a longo prazo. Se for uma toma controlada, com o devido acompanhamento e cuidados, não acho que coloque a vida em perigo. Mas, mais uma vez, a maior parte dos problemas surge por falta de conhecimento de quem as usa.

Esta prática começa sempre com o querer aumentar a massa muscular de forma rápida?

Sim e não. Há casos de rapazes novos sem a mínima informação que procuram esta fórmula magica para obter resultados rápidos. E, sim, esta é a procura mais comum. No entanto, geneticamente, todos temos um limite e nesse caso alguns procuram ultrapassar o seu limite através do uso de anabolizantes.

Não se conseguem os mesmos resultados sem eles? 

Podemos obter um corpo bonito e estético sem a toma de anabolizantes, claro. Mas posso colocar as coisas desta forma, para ser mais fácil de perceber: temos a hipótese de ir de bicicleta ou de Ferrari. A maioria prefere ir de Ferrari!

O caso do Ângelo Rodrigues alterou de alguma maneira a sua forma de pensar?

A minha forma de pensar sobre este assunto já mudou há muito tempo. Este caso do Ângelo tornou-se mais mediático pelo facto de ele ser conhecido. No entanto, quem está ou já pertenceu a este mundo de competições e ginásios, conhece os mais variados efeitos secundários de vários atletas ou de pessoas que simplesmente treinam.  O Ângelo é apenas mais um entre muitos que não têm o mesmo impacto social. Eu próprio já fui ao hospital diversas vezes com problemas devido à toma de anabolizantes. Quero aproveitar para desejar as rápidas melhoras ao Ângelo e que tudo isto não passe de um susto. E que sirva para ele, mais tarde, falar abertamente sobre o assunto.

As urgências hospitalares, a agressividade e a depressão

O que lhe aconteceu?

No meu primeiro ciclo, quando tinha apenas 19 anos, que é uma idade nada aconselhada à toma de anabolizantes, tive um período de uma semana sem produção de espermatozóides. Por outras duas ocasiões, fui ao hospital fazer uma lavagem ao estômago devido à toma de esteróides orais. Numa delas, tive de ser submetido a uma sonda nasogástrica. Foi uma das piores dores que senti até hoje…

É verdade que situações de agressividade são frequentes?

É, sim.

Essas vezes foram as únicas em que teve problemas?

Houve mais uma vez, durante uma época de férias no Algarve, em que tive de ir de urgência para o hospital porque deixei de sentir o braço esquerdo. Tive fortes pontadas no peito e uma extrema falta de ar. Os médicos pensavam o pior, mas tudo não passou de ataques de ansiedade. Mais uma vez, eram efeitos secundários. Não conseguia estar em sítios fechados e com demasiada gente. Posso dar um exemplo simples: quando estava num shopping às compras e se juntava muita gente dentro da mesma loja, eu tinha de sair de imediato.

Teve problemas renais?

Sim. Os meus rins, a certa altura, também estavam sobrecarregados, o que me levou a fazer uma dieta rígida e à paragem de toma de anabolizantes. Há também atrofia testicular. Durante o processo de toma de testosterona, os nossos testículos deixam de produzir, uma vez que já estão a receber testosterona sintética por fora. Vão mirrando e deixando de produzir testosterona naturalmente. Isto causa, na maioria das vezes, uma diminuição dos tamanho, podendo mesmo levar à infertilidade ou impotência sexual. Também tive queda de cabelo constante, o que é frequente. Senti diversas vezes efeitos como ginecomastia, mudança de temperamento…

Acredito que todas estas consequências tenham tido um impacto terrível em si…

A mais grave foi uma depressão que tive após uma competição, há cerca de cinco anos. Tomei uma dose excessiva de trembolona [um esteróide anabolizante usado normalmente para o crescimento muscular de gado], o que me levou mais tarde a uma depressão. Tive de ser acompanhado por um médico especialista e estive a antidepressivos, entre outra medicação. São cicatrizes que vão ficando. Felizmente, umas reversíveis, outras já irreversíveis. Isto são apenas alguns casos e algumas situações mais frequentes. Já tive amigos com depressões causadas por estas substâncias, tendo chegado mesmo a pensar em suicídio. Normalmente, estas pessoas não admitem e não querem falar sobre estes assuntos.

«Levaram anabolizantes para dentro do programa»

Quando participou em Love On Top, da TVI, em 2016, como é que fez?

Quando entrei tive de parar abruptamente com a toma sem um pós-ciclo, o que não é aconselhado. Posso dizer que houve concorrentes, que não vou identificar, que levaram anabolizantes para dentro do programa. Quando foram descobertos pela produção, esses anabolizantes foram confiscados.

A sua noiva, Sandra Castilho, esteve sempre a seu lado durante os maus momentos?

Foi ela que me ajudou a largar este vício de uma forma muito simples. Assim que começámos a viver juntos no Porto e ela viu a quantidade de seringas e anabolizantes que eu tinha em casa, disse-me: «Se isso fica aqui, eu saio! Ou essas drogas, ou eu.» Desde então nunca mais voltei a utilizar anabolizantes.

Há cerca de ano e meio, a sua noiva perdeu um bebé. Este aborto espontâneo teve algo a ver com este seu passado?

Não. Ainda não falei sobre isso porque é um assunto que me custa muito falar. Inicialmente, quando tudo aconteceu, culpei-me e achei que poderia ter sido um efeito secundário das minhas anteriores tomas de anabolizantes. Após a autópsia, feita no Hospital de São João [Porto], garantiram-me que nada teve a ver e que o que aconteceu, acontece em centenas de casos semelhantes: o bebé estava mal formado e acabou por morrer devido à falha dos rins, do coração… Não foi um problema meu ou da Sandra mas um caso esporádico e que não deveria voltar a acontecer.

Agora, como é a sua relação com o seu corpo?

Quero voltar a treinar e a ter uma vida mais saudável. Se eu conseguir ajudar outros a evitar a toma dessas substâncias, é o que irei fazer. Por isso é que, cada vez que me perguntam ‘já tomaste? Achas que devo fazer?’, a minha resposta é sempre a mesma: ‘Sim, já tomei, mas não aconselho ninguém!’ Depois, cada um faz o que quer. Somos livres e cada um decide pela sua cabeça. Apenas lamento não haver mais informação sobre este tema. Seja qual for a vossa decisão, que seja tomada de forma consciente e com o máximo de informação e acompanhamento possível.

Texto: Ana Filipe Silveira; Fotos: reprodução redes sociais

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