Nacional

José Carlos Pereira fala do vício de álcool e drogas e garante que há muitos colegas assim

6 Fevereiro, 2019

Zeca admite que ainda hoje luta para estar bem, todos os os dias, e que só fez tratamentos contra a adição porque percebeu que não conseguia sair «daquilo» sozinho. O ator e médico alerta que há colegas com o mesmo problema, mas que não admitem.

Zeca, como é carinhosamente tratado, viveu os últimos 20 anos ligado ao mundo da representação. Mas decidiu virar a página. José Carlos Pereira é agora médico e vive uma vida fora dos holofotes. Numa entrevista a Júlia Pinheiro, SIC, José Carlos Pereira recorda o passado que o levou à adição (álcool e drogas) e a ser internado numa clínica de reabilitação por duas vezes.

Sem tabus, Zeca assume os erros do passado e revela que a culpa foi do mediatismo que teve quando se tornou numa estrela ao protagonizar a novela Anjo Selvagem.

«Passamos a ser o centro das atenções e há muitas solicitações. No meio de tudo isto eu tentava fazer tudo e o curso ao mesmo tempo. Foi demasiado. Havia alturas que eu descansava pouquíssimo. Ao fim de semana quando era suposto descansar estava a trabalhar, quando chegava a segunda feira era imparável…», recorda.

E prossegue: «Nós [os atores] não temos perceção da realidade normal, perdemos um bocado o contacto com a realidade mundana, a nossa realidade passa a ser outra… eu com 20 anos ganhava mais do que os meus dois pais juntos […] olhando agora para trás, consigo perceber que não estava preparado para a emergência do sucesso e foi um boom muito grande naquela altura, muito maior até do que aquele que se assiste hoje em dia», diz ainda.

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Maturidade para lidar com a fama

José Carlos Pereira assume que lhe faltou maturidade. «Há uma distorção completa da realidade, não temos estrutura nem maturidade para saber lidar com aquilo. Tenho de o reconhecer, aos 20 anos não tive maturidade emocional para saber lidar com aquilo, com um fenómeno daqueles. Foi tudo e muito. Esta procura incessante de algo que me preenchesse era só colmatada com qualquer coisa que fosse exterior a mim, e depois ficava vazio outra vez. Essa procura constante levou-me a extremos», admite o ator, referindo-se aos problemas de álcool que teve e que o levou a ser internado mais do que uma vez.

Zeca chegou ao limite e teve de recorrer a ajuda específica para tratar a adição. «Entrei num ritmo de auto gestão, sem limites, eu deixei-me ir pelo que fosse, eu não ligava ao que poderia ser ou que poderia não ser».

Ar triste

Júlia Pinheiro recorda que o ator tinha, nessa altura, um olhar triste, apesar do grande sucesso profissional. «Há uma tristeza inerente, andamos a viver uma cara de sorriso que não é exatamente aquilo que vivemos por dentro, e esta dissociação do que somos realmente começa a criar grandes vazios interiores […] Essas armadilhas tem de ser colmatadas com alguma coisa, o que nos leva à grande problemática, que foi a minha vida no passado, com os consumos, as adições…»

José Carlos Pereira recorda que levava pelo menos quatro vidas ao mesmo tempo e que isso o esgotou. «Eu dizia sempre que estava tudo bem. Há uma altura em que não aguentamos mais porque não dormimos, não conseguimos ter quatro vidas ao mesmo tempo, é impossível. Era ator, tinha de ser filho, aos fins de semana tinha de trabalhar e depois tinha de ser médico ao mesmo tempo. São quatro vidas. Alguma delas vai quebrar e foi isso que acabou por acontecer. A que mais sofreu não era a personagem, era eu próprio».

Ainda na entrevista, José Carlos Pereira revela como começou a consumir. «Comecei recreativamente como toda a gente, numa noite, numa festa… achava que aquilo era uma coisa perfeitamente normal, só que essa normalidade já saiu fora do normal»

Zeca diz que há mais casos como o dele

Zeca tratou-se, mas admite que há mais casos como o dele no meio artístico português. «Infelizmente em Portugal são muito mais comuns. Já vivi esta realidade nos meandros em que trabalhamos. Há muito, muito mais pessoas a viver do que aquilo que podemos julgar.  Há pessoas que negam que têm problemas, mas mais cedo ou mais tarde irão descobri-lo. Há pessoas que não pedem ajuda quando deveriam. O caminho acaba em três sítios: prisões, hospitais ou morte. Só há três caminhos possíveis para quem não se trata.»

Resolvido o problema de adição, o ator não se inibe de assumir os erros do passado, mas ainda lhe custa o facto de ter sido julgado por um País inteiro. «Fui muito castigado com muita mentira à mistura, a mentira derrotou-me completamente», diz, magoado.

José Carlos Pereira garante que nunca pensou suicidar-se

Júlia Pinheiro pergunta-lhe diretamente se pensou colocar fim à vida nos momentos mais negros. «Não, nunca contemplei suicidar-me. Pensava qual seria a escapatória mais fácil, mas eu sabia que havia pessoas que me amavam, não sabia é como é que me podia desligar de tudo o que me magoava. O único modo que eu sabia para me desligar da realidade era só um, que fazia ainda pior, mas sabia que havia solução e ainda bem, porque poderia acabar de uma maneira muito pior. Acabei por saber que há um caminho, que é possível ter ajuda, que sozinho não sou capaz», afirma.

A força de vontade em tornar-se um filho e um pai melhor ajudou à mudança. «Para mudar é preciso muita força de vontade, é a decisão que tomo todos os dias. Não me apetece ir ao ginásio, mas vou. Não me apetece ir trabalhar, mas vou […] O que eu quero neste momento é fazer bem a mim próprio, tratar-me, cuidar de mim, porque só se eu estiver bem vou conseguir fazer o bem aos outros, e eu estou em primeiro lugar».

Texto: Redação WIN – Conteúdos Online; Fotos: Arquivo Impala

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