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Pai Natal está em teletrabalho: Entrevista a Severino Moreira que veste a farda há 20 anos

25 Dezembro, 2020

O Pai Natal este ano está em teletrabalho. Severino Moreira dá vida ao homem de barbas brancas há 20 anos e conta-nos como ganhou a “lotaria” em 2000.

Severino Moreira, 71 anos, trabalhou num banco 32, mas nunca gostou do que fez. Reformou-se aos 51 e decidiu realizar sonhos às crianças. Este ano o Pai Natal está em teletrabalho e conta à revista Maria como há meninos a pedir uma varinha mágica para acabar com a covid-19. (vídeo e fotos na galeria em cima)

Entrevista a Pai Natal

O Pai Natal está em teletrabalho este ano. Como tem sido?
Isto é uma novidade e acaba por ser engraçado e nós temos ferramentas, imagens que representam ambientes do Polo Norte. As crianças aderem imenso. Para brincar brinca-se a sério. Eu estou aqui convencido que estou no Polo Norte. Fazem-me perguntas sobre a minha casa e pedem para mostrar meu quarto.

As crianças percebem por que está em teletrabalho?
Falam muito do covid, já interiorizaram essa realidade. Faço o Pai Natal há 20 anos, estou habituado às coisas mais incrivéis, mas isso não significa que cada vez mais me surpreenda. Este ano um menino pediu-me uma varinha mágica para acabar com o covid. Comove-me muitas crianças pedirem o fim da pandemia.

Eles não acham graça ao Pai Natal estar em teletrabalho?
Acham e é curioso porque os adultos também acham muita graça nisso.

Como se tornou Pai Natal?
Ser o Pai Natal foi a lotaria da minha vida. Reformei-me com 51 anos e tinha de fazer qualquer coisa. Inscrevi-me numas agências, apareceu-me o primeiro casting e depois foi fluindo. Reformei-me por interesse deles, o meu banco foi adquirido por outro, ficaram 3000 empregados a mais e perguntaram quem queria ir para a reforma antecipada. Eu aproveitei porque até davam uns bons dinheirinhos.

Também acreditou no Pai Natal?
Sim. Tenho muitas saudades de quando acreditava e não há mal nenhum nisso. Lembro-me de quando descobri que não existia e fiquei um bocado triste, mas a personagem é lindissima. Quando deixar de fazer vou ficar muito triste. Deus ou alguém, deu-me um prémio no fim da vida.

Porque diz isso?
Para quem fez toda a vida profissional o que não gostava, isto foi um prémio. Eu não fui talhado para trabalhar num banco, estive lá 32 anos, e fazia desde serviço de balcão a serviços de retaguarda. Mas paralelamente, para suportar a frustração que tinha, fiz teatro amador, fui dinamizador de eventos culturais no banco… Agora dera-me o prémio de fazer o que gosto no fim da vida.

Recorda alguma história que o tenha tocado?
A minha dificuldade é escolher. Lembro-me de uma criança que me disse que não estava ali para pedir brinquedos, mas sim uns ténis. Ele mostrou-me a base dos que tinha calçados e já não tinha sola. Eu depois dei-lhe um endereço, marcámos um encontro e dei-lhe uns ténis. Eu sabia que ele não os ia ter (emociona-se).
A violência doméstica chega-me lá também. Se a criança encontra alguma credibilidade na minha personagem, desabafa coisas terríveis.

O que já ouviu?
Já me disseram “Pai Natal, quando for lá a casa diga ao meu para não bater mais na minha mãe”. Claro que estas situações não acontecem todos os dias, mas acontecem. Isto faz com que eu chegue ao fim do dia com um caldo em cima muito grande. Chego a casa e desabafo sobre isso.

20 anos depois tem a mesma a alegria de quando começou?
Sim, mas com a acréscimo da experiêcia. Porque me habituei a estabelecer logo um quadro da criança que está à minha frente. Ha crianças inibidas, as que têm medo do Pai Natal…
A barba é verdadeira?
Sim. Uso sempre barba e em janeiro apara. Não suporto a ideia de fazer o Pai Natal com barba falsa, a credibilidade é outra. Às vezes puxam-me a barba para ver se é verdadeira.

Ganha-se bem como Pai Natal?
Nem bem nem mal. Quem faz o Pai Natal ou faz porque gosta ou então não faz por muito tempo e faz mal. Obvimente que me dão quaquer coisinha. A minha mais valia é outra, é estar a falar com as crianças.

Lá em casa também faz de Pai Natal?
Faço. De há uns anos para cá amputo a minha consoada porque vou ao bairro também distribuir prendas às pessoas que me pedem. A mensagem foi passando, as pessoas vão a minha casa e pedem para eu ir a casa deles nessa noite. Eu vou. É maravilhoso, não imaginam as reações que encontro.

Os netos sabem que o avô é o pai Natal?
No início conseguem ser enganados, mas depois vão crescendo e descobrem. Ou porque há um cajado esquecido, ou sentem o perfume….
Agenda esgotada
É isso que nós pretendemos. Isto pelo menos mantém a tradição. É verdade que é de uma forma diferente, mais distante, mas as crianças falam com o Pai Natal. Isto surpreendeu-me positicamente, as crianças aderiram e temos a agenda esgotada. As crianças estão em casa em segurança e eu entro-lhes pela a casa adentro…

Texto: Ana Lúcia Sousa; Fotos: Zito Colaço
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