Saúde e Bem-Estar

«O meu filho tem cancro. E agora?». O que fazer quando a doença nos bate à porta

11 Abril, 2019

O diagnóstico de cancro numa criança implica uma total mudança dos hábitos e rotina familiar, mas não deve, nem pode, levar ao desespero.

Os pais ou responsáveis por uma criança diagnosticada com cancro geralmente sentem‑se muito frágeis, inconformados e impotentes diante da nova situação. Este período inicial é, normalmente, caracterizado por instabilidade emocional e desespero, pelo que definir estratégias para reorganizar a vida é um ponto fundamental.

Falar abertamente sobre a doença e tentar conhecê‑la de forma aprofundada são bons princípios para aprender a lidar com a nova realidade. É por isso de extrema importância procurar ajuda e esclarecer todas as dúvidas com quem acompanha a criança. Estes profissionais, melhor do que ninguém, conhecem o caso em concreto, percebem o sofrimento inerente e estão certamente dispostos e empenhados em minimizar o problema.

Foi neste sentido que Goreti Marques, professora na Escola de Saúde Santa Maria e especialista em enfermagem de saúde infantil e pediatria, escreveu o livro O Impacto da Doença Oncológica da Criança na Família, que fala abertamente de como a brutalidade de uma notícia de uma doença cancerígena numa criança implica uma reestruturação e adaptação total dos hábitos e rotina familiar.

«Decidi fazer este livro em virtude das minhas vivências pessoais, pois exerci durante muitos anos funções na área da oncologia e conheço bem o impacto que a doença tem na vida das famílias», começa por referir.

Relações desfeitas

Por ser uma doença que se estende no tempo, com longos períodos de internamento, a especialista refere que este impacto acaba por ser maior no seio familiar do que na própria criança. «Esta vive muito a consciencialização do presente, do dia‑a‑dia. A doença oncológica em si causa‑lhe o sofrimento da dor, mas quando está bem habitua‑se a tudo o que é a rotina. O grande risco acaba por ser na desestruturação que muitas vezes ocorre na família, pois nada vai voltar a ser como antes. Vários estudos demonstram que existem pais que ficam mais coesos, conseguem reaproximar‑se e fortalecer as suas relações pelo número de horas que passam junto da criança. Já outros acabam por se divorciar, pois muitas vezes as distâncias entre o hospital e a área de residência são bastantes. Isto verifica‑se porque à mãe cabe na maioria o papel de cuidadora, já o pai continua a trabalhar e fica muitas vezes afastado deste processo. Elas centram‑se muito em volta deste filho doente, das suas necessidades e o marido acaba por ficar de parte, o que leva a uma situação de rutura entre o casal.»

Mas como se deve abordar uma criança com cancro na fase inicial de diagnóstico? Na sua opinião, «depende da faixa etária com que se está a lidar, pois nunca nos podemos esquecer que estamos perante alguém em fase de desenvolvimento e temos de permitir que tenha acesso a todas as componentes desse mesmo crescimento físico e intelectual. Assim, devemos garantir que tenha acesso à escola ou que esteja junto dos amigos, pois como já se encontra privado de muita coisa devemos dar‑lhe esses meios para que possa crescer e desenvolver‑se.»

Por outro lado, sublinha que «as crianças aceitam a doença de forma muito mais fácil que os adultos, pois nós pensamos muito no futuro e em todas as possibilidades que podem surgir. Para elas, inicialmente o grande problema é a hospitalização e ficarem confinadas a um quarto, por isso temos de procurar facultar‑lhes tudo a que têm direito».

Irmãos não devem ser esquecidos

Em casos de famílias com mais do que um filho, é importante não descurar a atenção e o apoio aos irmãos da criança doente. É normal que os pais se sintam demasiadamente preocupados com o filho doente e, por se encontrarem absorvidos pelas tarefas relativas ao seu tratamento (deslocações ao hospital, exames), não possam estar tão presentes em casa.

No entanto, é importante que os irmãos não sejam excluídos da situação, como frisa Goreti Marques: «Eles muitas vezes ficam aos cuidados do pai ou outros familiares e encontram‑se alienados de todo este processo. Se não forem envolvidos no processo de doença, existe um sentimento de ciúme e muitas vezes sentem‑se marginalizados. Ao mesmo tempo vão sentindo o medo da perca do próprio irmão, o que provoca uma mistura de sentimentos».

Uma ligação que fica para a vida

Ao longo do tempo que passou na oncologia infantil, a especialista confessa que «existem sempre momentos marcantes, pois esta é uma área muito sensível. Reconforta-me ver alguns adolescentes de quem cuidei quando eram mais novos terem agora qualidade de vida e pensar que, no final, vale a pena trabalhar nestes serviços. Ser-se profissional nesta área não é fácil, mas temos de acreditar que aquelas crianças vão ser jovens felizes e adultos e que não estamos apenas a ajudá-las mas também às suas famílias. Por outro lado, ao contrário de outras especialidades da pediatria em que a criança passados uns dias vai-se embora, aqui existe uma ligação que nunca mais se perde. Fica para a vida».

Texto: Mário Rui Santos

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