Saúde e Bem-Estar

Quando os neurónios decidem morrer: Médica explica causas, sintomas e tratamentos

10 Abril, 2019

Os dados mais recentes são assustadores e não deixam ninguém indiferente: há 20 000 portugueses com esta doença. E uma vez que é idiopática (sem causa identificada) não pense que está livre dela. Venha connosco à médica tirar todas as dúvidas sobre Parkinson.

Imagine que a independência que teve como garantida durante toda a vida começa a desaparecer, aos poucos… Num dia deixa de conseguir abotoar a camisa, no outro as pernas ficam trôpegas e, mais tarde, os tão temidos tremores (dificuldade em controlar movimentos) denunciam o que já suspeitava: é doente de Parkinson.

Para  compreendermos melhor esta doença, e a propósito do Dia Mundial da Doença de Parkinson (11 de abril), fomos falar com quem percebe do assunto, a Dra. Rita Moiron Simões, neurologista no Hospital Beatriz Ângelo e Campus  Neurológico Sénior. Para a neurologista, a melhor forma de enfrentar a doença depois do diagnóstico é «aceitando-a».

«Se o doente de Parkinson aceitar a doença, mais facilmente consegue cumprir medicação e adaptar-se às dificuldades que vão surgindo. É essencial adotar, desde o início, hábitos de vida saudáveis que incluam exercício físico regular, alimentação saudável, horários de sono adequados e convívio social». Para além destes aspectos, está ainda demonstrado, na opinião da Dra. Rita Moiron Simões, que «o exercício regular ajuda a controlar as dificuldades de movimento».

Entrevista

O que é, afinal, a doença de Parkinson?

É uma patologia neurodegenerativa que, como as outras deste tipo, é uma doença crónica em que há perda gradual de neurónios em locais determinados do cérebro. Na doença de Parkinson há várias zonas cerebrais que são afetadas e que deixam de manter as suas funções, levando ao aparecimento de sintomas.

Como os movimentos incontrolados…

Os mais conhecidos são as alterações dos movimentos dos membros e alterações da postura e da marcha, motivo pelo qual esta doença pertence a um grande grupo de doenças neurológicas, que são as doenças do movimento.

Mas o que provoca o desenvolvimento desta patologia?

A causa da doença de Parkinson não é conhecida. Não se sabe o que leva à morte das células no cérebro. É considerada uma doença idiopática (sem causa identificada) para
a qual múltiplos fatores contribuem. Esses fatores incluem uma suscetibilidade própria (que é dada pela nossa informação genética), mas também fatores do ambiente. Por exemplo, a exposição a alguns tóxicos parece estar associada ao desenvolvimento da doença, mas, por si só, não causa a doença.

E ainda há outro fator, o da velhice.

Com certeza, outro fator importante é o próprio envelhecimento. É necessário que vários fatores se conjuguem para que a doença surja. A conjugação de todos estes fatores leva a que os mecanismos de reação e de defesa das células se alterem e aumenta a sua suscetibilidade à morte celular, levando à neurodegeneração.

Os primeiros sinais

Como é que ela se manifesta?

Os movimentos deixam de ser realizados com facilidade, ficam mais lentos, a face fica menos expressiva, a voz mais baixa, as pernas e os braços ficam mais rígidos/ presos, o corpo fica mais encurvado (costas mais curvas e pernas mais fletidas), o andar mais lento, com passos pequenos, e as pernas podem arrastar. Há dificuldade em abotoar,
fazer a barba, descascar batatas, fazer renda, levantar de locais baixos, entrar e sair do carro. Algumas pessoas, mas não todas, podem ter tremor. Quando existe, é geralmente um tremor que aparece numa das mãos e que surge quando a mão está quieta/apoiada
(em repouso) ou durante o andar, tendendo a desaparecer ou a diminuir com o movimento da mão. À medida que a doença evolui, estes sintomas vão-se acentuando.

Mais tarde podem acentuar-se o desequilíbrio e as quedas e haver dificuldade em engolir. Em alguns casos, as dificuldades no movimento podem variar em intensidade ao longo do dia, sendo, por exemplo, piores durante a noite e ao acordar. Noutros casos, pode surgir excesso de movimentos que a pessoa não consegue controlar.

É uma doença sem cura?

Sim. A doença de Parkinson não tem cura, isto é, até à data, não há nenhum medicamento que permita parar a evolução da doença. Mas isto não significa que não haja tratamento. Há atualmente vários medicamentos disponíveis que ajudam a atenuar os sintomas da doença, permitindo controlar o tremor e melhorar a rigidez e a lentificação dos movimentos. Os cientistas continuam a investigar os mecanismos da doença e fatores protetores com o objetivo de desenvolver fármacos que permitam travar a sua evolução.

Há muitos doentes de Parkinson em Portugal?

Estima-se que existam cerca de 20 000 pessoas com doença de Parkinson.

Com que idade, normalmnte, surge?

A doença de Parkinson surge geralmente a partir dos 50-60 anos. Uma em cada 100 pessoas com 65 anos tem doença de Parkinson e esta proporção vai aumentando com a idade.

Há casos em que surge mais cedo?

Embora seja raro, a doença pode surgir antes dos 40 anos. Nestes casos, é denominada doença de Parkinson juvenil. Nestas idades, a causa da doença é mais frequentemente hereditária.

Podemos dizer que é uma doença do século?

A doença de Parkinson sempre existiu. A primeira descrição foi feita há 201 anos, em 1817, por um médico inglês chamado James Parkinson. Como é uma doença que está associada à idade, percebe- se que, se as pessoas atualmente vivem mais anos, então também há mais casos de doença. Esta maior longevidade faz estimar que o número
de doentes com doença de Parkinson possa aumentar para o dobro nas próximas décadas.

Herança pesada, mas não garantida

É mais frequente em mulheres ou em homens? Porquê?

A doença de Parkinson é mais frequente em homens do que nas mulheres (a proporção é de dois homens para uma mulher). Pensa-se que um dos motivos para haver menos mulheres afetadas se deve a um efeito protetor das hormonas femininas (estrogénio),
mas os mecanismos não são claros.

É uma doença hereditária?

O risco de uma pessoa vir a desenvolver doença de Parkinson é maior se existir alguém na família mais próxima (familiar em primeiro grau) que também tenha a doença. No entanto, a doença raramente é hereditária, isto é, a transmissão familiar da doença é rara, sendo importante apenas quando a idade de início dos sintomas é mais cedo do que o habitual (antes dos 40 anos).

Que outras doenças estão associadas? Depressão?

Não falaria de outras doenças, mas sim de outros sintomas da doença. Apesar de os problemas do movimento serem os que são mais típicos da doença de Parkinson, atualmente sabe-se que existem muitos outros sintomas que não são de movimento. Chamamos os sintomas não motores. Estes incluem diminuição da capacidade de sentir os cheiros, alterações do sono, prisão de ventre/obstipação, alterações urinárias, disfunção sexual, alteração da atenção e da memória, visões que não são reais (alucinações visuais), suores, dor, fadiga, depressão e ansiedade. Alguns destes sintomas, como a alteração da capacidade de cheirar, a obstipação e a depressão, podem surgir muitos anos antes de aparecer o tremor ou a lentificação dos movimentos.

Texto: Ana Lúcia Sousa, com a Dra. Rita Moiron Simões, neurologista no Hospital Beatriz Ângelo e CNS

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